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Acusada de furto, doméstica ganha na Justiça direito à compensação por dano moral

Até que ponto revistar os pertences de um empregado é exercício regular do poder de fiscalização do empregador e quando é que se torna um ato abusivo? A resposta a essa questão foi o ponto central da reclamação trabalhista ajuizada por uma empregada doméstica, pedindo a condenação de seu empregador após se sentir desrespeitada em um caso de revista de bolsa.

O caso teve início ao final de um sábado de trabalho, momento em que a trabalhadora se preparava para ir embora, depois de concluir seus afazeres como empregada doméstica e cuidadora no lar onde residia um casal de idosos. Foi quando o proprietário da casa, filho do casal, exigiu a revista da bolsa da funcionária.

Ao relatar o episódio à Justiça, a doméstica contou que o empregador a interpelou dizendo que havia sumido cerca de 1 mil reais de seu guarda roupa e que era para ela esvaziar a bolsa para uma averiguação.  Constrangida pela situação que, segundo ela, nunca tinha sido submetida antes, negou-se a ser revistada, dizendo que só aceitaria abrir a bolsa na presença da Polícia.

O empregador então ligou para a Polícia Militar e, ainda conforme a trabalhadora, trancou-a no quarto, mantendo-a incomunicável por cerca de uma hora, até a chegada dos policiais. Ela narrou ainda que, na presença da PM, levantou a blusa e abriu a bolsa, esvaziando-a por completo, sendo encontrado um total de pouco mais de 5 reais.

Em sua defesa, o empregador negou que tenha acusado a trabalhadora de furto e, também, de mantê-la em cárcere privado, salientando que só chamou a Polícia porque ela própria assim o quis. Argumentou ainda que a revista geral na bolsa de empregado é faculdade sua, e se trata de expediente comum adotado pelos empregadores como parte do seu poder de direção, organização, controle e disciplina.

Por fim, apontou contradição entre o que disse a trabalhadora e o testemunho dado pelo policial na audiência judicial, o qual negou que ela tivesse levantado a blusa para demonstrar que o dinheiro não estava consigo.

A reclamação foi julgada na 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá, onde foi reconhecido o dano moral causado à empregada por culpa do empregador, que foi condenado ao pagamento de compensação no valor de 10 mil reais.

Inconformado, ele recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), reiterando sua defesa, na qual negou todas as acusações, e pedindo que, caso fosse mantida a condenação, o valor fosse reduzido para, no máximo, 500 reais.  

O relator do recurso na 1ª Turma do Tribunal, desembargador Edson Bueno, esclareceu, logo de início, que tanto a doutrina como a jurisprudência vêm se manifestando no sentido de que a revista feita com moderação e impessoalidade, isto é, sem o contato físico e realizada de modo uniforme com todos os empregados, está dentro do exercício do regular poder de fiscalização do empregador.

Dessa compreensão jurídica resulta, então, o entendimento de que a revista realizada de forma diferente disso “passa a ser intolerável, seja porque não atende à impessoalidade, seja porque se situa fora do raio de ação do poder diretivo do empregador e passa a configurar exercício abusivo de direito de mando e comando”.

Na análise do caso, o relator ressaltou o testemunho de um dos policiais que atendeu ao chamado para averiguar “ocorrência de um furto dentro da residência”, conforme informou à Justiça.

O cabo PM continuou o relato afirmando que o senhor que o atendeu na residência lhe explicou que havia sumiu uma determinada quantia em dinheiro e ele suspeitava da empregada doméstica. Em seguida, dirigiram-se para a despensa que estava com a porta fechada, sem que o policial se recordasse ao certo se trancada com chave. No local, encontrava-se a trabalhadora, que logo abriu sua bolsa e mostrou o que tinha dentro “e se dispôs até mesmo a retirar a roupa, o que foi prontamente negado”. 

O policial continuou narrando que chamou o proprietário da casa para um local reservado e disse que estava errado aquele procedimento, visto que não poderia manter uma pessoa presa naquela situação. Disse ainda que se houvesse indício da prática do furto pela doméstica, ele encaminharia todos à delegacia para registro da ocorrência, o que não era o caso, visto não haver nenhuma evidência nesse sentido.

Com base nessa e nas demais provas no processo, o desembargador-relator concluiu não haver dúvida de que a intenção do empregador foi não apenas a de revistar a bolsa da empregada, mas a de fazer a revista porque imputou a ela a suspeita do furto.

Diante da gravidade do fato, que mereceu até mesmo o alerta do policial no momento do ocorrido, destacou o relator, são irrelevantes as eventuais inconsistências apontadas pelo empregador em sua defesa, como o fato da empregada ter se equivocado quanto ao nome do policial, quanto ao tempo de espera pela chegada da PM e dela ter dito que levantou a blusa e o policial dizer que isso não se deu. “São insignificantes quando comparadas com o modo de agir do Reclamado, que além de buscar com insistência a revista na bolsa da Reclamante sob a alegação de suspeita de que esta estava lhe subtraindo dinheiro - acusação séria - e impedi-la de ir embora porque já havia encerrado o seu expediente e a colocou isolada, segregada, em um dos quartos da unidade habitacional”.

O desembargador avaliou ainda ser compreensível que a trabalhadora tenha dito que só permitia a realização da revista na presença da polícia, “porque diante de grave acusação e não tendo nada a temer só assim ela se sentiria segura e ficaria ilesa da pesada suspeição que recaia sobre si”.

Por fim, concluiu o relator estar “convicto, e muito convicto, de que o Reclamado extrapolou o limite do razoável e do ponderável tanto na abordagem, como na acusação e, principalmente, ao chamar a polícia para, na presença desta, abrir a bolsa da Reclamante”.

Diante disso, afirmou não restar dúvida que a trabalhadora sofreu abalo psíquico e emocional, com a injusta suspeita de furto, o tolhimento - ainda que temporal - da liberdade de ir e vir, reconhecendo assim, como a sentença já havia feito, a ocorrência do dano moral, diante do sofrimento proveniente da violação de sua honra e imagem.

A conclusão foi aprovada pela 1ª Turma que, por maioria, manteve a condenação por dano moral.

Entretanto com relação ao valor da compensação, os magistrados decidiram reduzir o valor para 4 mil reais, observadas balizas como a condição socioeconômica das partes, a conduta ilícita, as circunstâncias em que os fatos se deram, a gravidade e o tempo de permanência da ofensa e tendo em vista, ainda, situações análogas julgadas recentemente pela Turma.

PJe-0000048-96.2017.5.23.0001

(Aline Cubas)