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DESEMBARGADOR SEBASTIÃO OLIVEIRA DEFENDE CRIAÇÃO DO ESTATUTO DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR

Mais importante do que o pagamento por acidente de trabalho e doenças profissionais é a prevenção. Esta é a opinião do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do TRT de Minas Gerais. Suas posições coincidem com as orientações adotadas pelo TST, que instituiu o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, cujas gestoras no TRT-PE são as desembargadoras Valéria Gondim e Dinah Figueirêdo. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, havendo defendido a dissertação “Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador”, Sebastião Oliveira é professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e tem diversos livros e trabalhos publicados sobre a proteção da saúde do trabalhador. Nesta entrevista, o magistrado esclarece a importância das medidas contidas no Programa de Prevenção a Acidentes e analisa as mudanças ocorridas no tratamento do tema.

1. O seu livro Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador, que se encontra na 6ª edição, já se tornou uma obra basilar sobre o tema. Que contribuição o conteúdo do livro pode trazer às iniciativas que visam à redução dos acidentes no ambiente de trabalho?

Sebastião Oliveira: O meu livro, cuja primeira edição foi lançada em 1996, foi pioneiro no enfoque da proteção à saúde do trabalhador, em vez da ideia tradicional de compensar as condições desfavoráveis com o pagamento de adicionais, a conhecida monetização dos riscos. No livro procuro demonstrar que o mais importante, o bem principal a ser tutelado é a saúde de quem trabalha e não simplesmente o direito a receber compensações para permitir a exposição aos agentes nocivos ou perigosos. Sempre enfatizo que o local de trabalho é para o empregado ganhar a vida, e não o local para encontrar a morte, as doenças ou mutilações. Acredito que a leitura do livro desperta no estudioso uma vontade firme de atuar para mudar a nossa realidade.

2. O senhor se ressente da ausência de um número maior de autores que abordem o tema?

Sebastião Oliveira: Com certeza sentimos. O que mais nos preocupa é que a formação jurídica ainda adota a antiga ideia da monetização dos riscos, pelo que os advogados trabalhistas que chegam ao mercado de trabalho pouco sabem a respeito do direito ao meio ambiente do trabalho saudável. Como atualmente já é grande o número de ações com pedidos de indenizações por acidentes do trabalho, doenças ocupacionais, assédio moral ou sexual e outras agressões do meio ambiente do trabalho, o profissional está buscando complementar a formação em cursos de especialização ou em cursos preparatórios para concurso. Nosso desejo, portanto, é que brevemente as faculdades de Direito incorporem a disciplina “Direito ambiental do trabalho”, com o consequente lançamento de mais obras jurídicas a respeito deste importante novo ramo do Direito.

3. Para o êxito das iniciativas que pretendem a diminuição dos acidentes de trabalho, em que medida deve contribuir a educação e em que medida deve funcionar o Estado com seu poder de coerção?

Sebastião Oliveira: Gosto muito da conclusão a que chegou um jurista da Venezuela, Enrique Marin Quijada, quando assegura que "la fuerza del derecho reside en la convicción que los ciudadanos tienen de su necesidad”. Então se os estudantes desde os primeiros anos de sua formação já tomarem conhecimento da importância do ambiente do trabalho seguro e saudável, com certeza vão atuar como profissionais imbuídos dessa convicção. Aliás, atualmente o Brasil assumiu o compromisso formal de incluir a disciplina sobre segurança, saúde e meio ambiente do trabalho em todos os níveis de ensino e treinamento, incluindo o ensino médico e profissional, como prevê a Convenção da OIT n. 155, oficialmente ratificada pelo País. Apesar da vigência dessa Convenção Internacional no Brasil desde 18 de maio de 1993, até agora não foi adotada uma estratégia verdadeira para o cumprimento deste importante compromisso. É nosso papel, portanto, envidar todos os esforços para exigir o cumprimento desse compromisso internacional. Certamente, tanto a Inspeção do Trabalho quanto o Ministério Público do Trabalho também poderão atuar para implantação sem demora do preceito da Convenção 155 da OIT.

4. Quais as mudanças que o senhor percebe nas relações de trabalho entre patrões e empregados no que diz respeito à prevenção de acidentes de trabalho?

Sebastião Oliveira: Nas grandes empresas já está mais consolidado o pensamento de que prevenir é mais importante e mais barato que remediar ou reparar os danos causados. O volume das indenizações dos últimos anos, a ampliação do conhecimento a respeito dos direitos das vítimas, a contribuição importante do Ministério Público do Trabalho e da Inspeção do Trabalho têm contribuído para densificar o direito à saúde do trabalhador. Ainda assim, os números estatísticos assustam, bastando mencionar que a cada dia por volta de 50 trabalhadores no Brasil nunca mais retornam ao local de trabalho, sendo aproximadamente 10 por morte e em torno de 40 por invalidez total permanente. O grande problema reside nas médias, pequenas e micro empresas que só reagem após a ocorrência do sinistro. Creio que o Estado poderia ampliar a assistência técnica aos pequenos empreendedores, como ocorre com o programa da saúde da família. Entendo, ainda, que o Ministério do Trabalho e Emprego deveria oferecer curso gratuito de “noções básicas sobre prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais” para o trabalhador que busca a emissão da Carteira de Trabalho, anotando no documento o trabalhador que passou por essa formação facultativa. Este trabalhador já começaria com um diferencial na sua formação facilitando o seu ingresso no mercado de trabalho. Se para conduzir um veículo é necessário carteira de habilitação e exames rigorosos, para operar uma máquina, uma ferramenta ou equipamento deve haver cuidado semelhante.

5. Neste século XXI, os patrões estão se mostrando mais conscientes da importância de oferecer condições seguras no ambiente de trabalho?

Sebastião Oliveira: Como mencionei na resposta anterior, há sim progressos, mas o comportamento ainda está longe do desejável. Se a cada dia no Brasil ocorrem, oficialmente, mais de dois mil casos de acidentes do trabalho é porque o grau de consciência ainda está bem abaixo do desejável. Podemos resumir afirmando que a situação atual não é boa, mas já foi muito pior. De todo modo, ainda precisa melhorar muito para atingir um nível aceitável. O propósito das normas dessa área é que haja um avanço progressivo e constante para atingir cada vez mais o ideal do ambiente de trabalho seguro e saudável.

6. A Justiça evoluiu quanto à criação de instrumentos capazes de reduzir os acidentes de trabalho?

Sebastião Oliveira: O Brasil já conta com um marco normativo suficiente para as medidas de proteção à segurança e à saúde do trabalhador. O que tem faltado é o cumprimento das regras existentes. Muito pouco se fala a respeito das tutelas preventivas ou cautelares e da tutela inibitória, contudo temos milhares de ações em tramitação buscando a reparação dos danos sofridos. Então, notamos que a ciência jurídica evoluiu, mas agora é preciso que os destinatários das normas e os aplicadores do Direito acompanhem essa evolução. Como acentuou o jurista Mauro Cappelletti, a maior revolução não é a legislativa, mas no modo de pensar dos operadores do Direito. Creio que não podemos ficar indiferentes assistindo inertes ao volume acentuado de acidentes do trabalho, sem oferecer os recursos da nossa ciência para tentar minimizar ou atenuar o problema.

7. A ação regressiva pode se revelar eficaz para impulsionar a segurança no ambiente de trabalho?

Sebastião Oliveira: Creio que a ação regressiva que a Previdência Social pode ajuizar em face do empregador, para recuperar o dispêndio no pagamento de benefícios em razão de danos causados por culpa manifesta do empregador é mais um instrumento para despertar o empresário para a importância estratégica de implantação das medidas preventivas. Esta possibilidade está assegurada na Lei n. 8.213 desde o ano de 1991, mas só recentemente tem sido adotada com mais ênfase. Se o acidente foi causado por culpa indiscutível do empregador, a causa do sinistro é o comportamento patronal negligente que deve arcar com os custos da sua incúria e não transferir para a Previdência Social, ou seja, para a sociedade, os ônus da reparação. Nesse sentido entendo que a própria Justiça do Trabalho deveria julgar as ações regressivas ajuizadas pela Previdência Social em face do empregador, porque a reparação decorre do acidente do trabalho e é, sem dúvida, oriunda da relação de trabalho. Além disso, o julgamento pelo mesmo juízo atenderia ao princípio da unidade de convicção muito lembrado pelo STF no julgamento do CC 7204, quando pacificou o entendimento da competência da Justiça do Trabalho.

8. O que o senhor acha que seria importante, no plano da legislação trabalhista, para garantir melhores condições de saúde e prevenção de acidentes?

Sebastião Oliveira: Creio que neste momento seria importante consolidar a legislação a respeito da segurança, saúde e meio ambiente do trabalho. O ideal seria a criação do Estatuto Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador estruturando as normas a respeito, aplicáveis a todos os trabalhadores, independentemente da natureza do vínculo jurídico. Atualmente o profissional do Direito tem dificuldade de estudar metodicamente o “Direito Ambiental do Trabalho” visto que há normas sobre o tema espalhadas em diversos diplomas jurídicos e atos regulamentares pouco mencionados nos manuais de Direito do Trabalho. É preciso que os advogados, os sindicados e os trabalhadores tenham conhecimento das normas a respeito, para poderem exigir o seu cumprimento. O Estatuto traria a facilidade de divulgar a disciplina e implementar sua difusão doutrinária.

9. As indenizações pagas em processos decorrentes de decisões judiciais são financeiramente significativas? Seria necessário torná-las mais vultosas e, portanto, mais onerosas aos empresários para que eles garantissem a saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho?

Sebastião Oliveira: Esta resposta não é singela e depende da situação. Os casos graves necessitam de um valor considerável para alterar o comportamento do lesante renitente, dentro do espírito pedagógico e punitivo. Por outro lado, a indenização deve ser ponderada e exequível, porque tão importante quanto o valor da indenização é a sua efetividade. Daí o destaque que merece a Recomendação do TST para que os processos envolvendo acidentes do trabalho tenham tramitação prioritária para ensejar sem demora a execução da sentença. Tenho percebido que os Tribunais Superiores estão zelando para estabelecer valores de indenização que assegurem a devida compensação da vítima e a punição do infrator, fugindo dos extremos dos valores módicos ou excessivamente elevados.
De acordo com a gravidade da culpa, a intensidade do sofrimento da vítima, o padrão econômico do ofensor, as consequências dos danos causados deve o julgador arbitrar valores suficientes para compensar a vítima e punir pedagogicamente o infrator. O julgador terá que conjugar arte e técnica, coragem e sensatez, para encontrar a justa indenização, conforme as peculiaridades do caso concreto.
Ademais, o valor da indenização deverá ser suficiente para que a direção da empresa repense a conduta e passe a atuar para evitar novas condenações. Nesse sentido devemos pensar também na implementação da reparação não patrimonial do dano moral, também chamada de reparação in natura do dano moral. Assim, em vez de fixar indenização pedagógica apenas em favor da vítima, poderíamos também condenar a empresa em obrigações de fazer de cunho moral, como, por exemplo: publicação de uma cartilha de prevenção de acidentes do trabalho ou de prevenção de assédio moral, publicação da sentença em jornal local de grande circulação, promoção de palestra de orientação no horário de trabalho, oferecimento de curso de prevenção custeado pela empresa aos trabalhadores etc. Assim, ficaria mais perceptível a função pedagógica da condenação.

10. Qual a importância do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho instituído pelo TST, na redução do número de trabalhadores que se acidenta no exercício de suas atividades laborais?

Sebastião Oliveira: Tenho grande entusiasmo por este programa idealizado pelo TST e agora implantado de forma permanente por recente decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. A magistratura trabalhista tem grande conhecimento e sensibilidade social para propor medidas, implantar programas preventivos, dialogar com a sociedade e com as instituições que tratam do tema do Brasil. Não é mais possível ficarmos apenas reparando o dano ocorrido, sem apresentar sugestões para evitar que os mesmos danos continuem fazendo novas vítimas. É um caminho novo a ser desbravado, mas o resultado é altamente compensador, porque em última instância contribui para economizar vidas. Se a nossa contribuição será pequena ou importante somente a história vai registrar, mas os primeiros resultados colhidos e a boa recepção de todos já demonstram o acerto da iniciativa.

11. Como os profissionais do Direito podem colaborar com a diminuição dos casos de acidentes de trabalho?

Sebastião Oliveira: Acho que cada profissional do Direito deveria refletir a respeito de como pode contribuir com o seu conhecimento para garantir o direito ao ambiente de trabalho seguro e saudável. Podemos sim fazer a diferença, antecipando aos riscos, exigindo ambientes seguros e saudáveis e garantindo tutelas preventivas, antecipatórias ou inibitórias para que o Direito à saúde do trabalhador tenha mais efetividade e o trabalho produza menos vítimas. O avanço normativo sem o efetivo cumprimento não passa de simples promessa, distante da nossa realidade. O desafio, portanto, é esse: tornar real o que já é legal!