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Camus, o Coronavírus e a Justiça do Trabalho


Em sua obra “A Peste”, lançada em 1947, e que fez do seu autor o Nobel de Literatura, em 1957, Albert Camus narra uma história ambientada na fictícia cidade de Orã, onde um surto de peste negra terminou por afetar a vida e o hábito de seus moradores, e, mais que isso, impor uma necessária reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida.

O enredo é desenvolvido com base numa narrativa construída por fortes diálogos entre um médico, Dr. Bernard Rieux, e um padre, Paneloux, donde brotam temas como ciência, solidariedade, religião, justiça, entre tantos outros.

Embora publicada no século passado, tal obra nunca foi tão atual.

Digo isso porque o coronavírus trouxe com ele inúmeras incertezas, mas também diversas certezas no campo da economia, da ciência, da política, das relações humanas e das relações sociais, tal qual retratado por Camus na sua obra.

Vou me ocupar aqui, porém, apenas com as certezas.

E a primeira delas se situa no campo da economia. Penso que não restam dúvidas, entre os vivos, de que foi necessária a chegada arrebatadora de um vírus, globalizado, sem fronteiras e comunitário, para mostrar que nenhum liberalismo se sustenta se não tiver na sua base também uma visão social.

Ainda e mais, de que o mercado tem que existir, porém com limites impostos razoavelmente pelo Estado. O liberalismo econômico tem suas virtudes, é certo. O Estado tem que ser menor, é certo. Mas a economia não pode se divorciar da realidade social de um povo, de uma nação, a ponto de se tornar indiferente aos problemas daqueles que mais precisam.

A segunda delas é a de que sem cientistas estimulados, com recursos e estrutura, somos, todos, vulneráveis a desconhecidas pestes, vírus e doenças capazes de exterminar indistintamente a raça humana.

A terceira certeza reside no âmbito das relações humanas, das relações sociais. Não me lembro, depois de meio século de vida, de uma crise que tenha bulido tanto com as pessoas, como a causada pelo coronavírus.

Foi um tiro de misericórdia nas relações humanas. Desde o isolamento social, imposto e necessário, até certas medidas que, por pouco, não levaram ao paredão a camada mais desprotegida socialmente do nosso povo.

Nem num momento como o atual faltou por parte de alguns a sensibilidade de que, na estrutura de uma pirâmide social, os mais fortes devem suportar as dificuldades em defesa dos mais vulneráveis.

Uma pena.

Por último, e não menos importante que as demais, cravo aqui mais uma.

Percebeu-se, diante das consequências causadas pelo coronavírus nas indústrias, fábricas, comércios e noutras atividades produtivas, a importância da Justiça do Trabalho como braço do Poder Judiciário competente para conciliar e julgar os conflitos decorrentes das relações de trabalho, das relações sociais.

Notou-se, também, que a economia global é muito mais vulnerável a fatores desconhecidos e não econômicos do que se imaginava e que estes produzem consequências não só nos donos do capital, que nela investem, como também na classe trabalhadora, que em sua grande maioria sequer sabe o que ela significa.

E o mais curioso é que essa mesma economia global vulnerável, que tanto critica a existência da Justiça do Trabalho, é quem hoje tem mais precisado dela para pacificar os conflitos decorrentes dos efeitos do coronavírus nas relações trabalhistas.

Pra se ter uma noção, em plena quarentena e em menos de uma semana, a Justiça do Trabalho, entre tantos conflitos espalhados pelo país, teve que resolver três decorrentes do coronavírus, sendo dois em PE e um SC, envolvendo interesses complexos das categorias dos bancários, dos metroviários e dos farmacêuticos, e com repercussão direta na vida das pessoas.

Em Pernambuco, por exemplo, coube à Justiça do Trabalho determinar que os donos de farmácias fornecessem aos seus empregados máscaras de proteção e álcool gel para trabalhar, bem como definir como deveria funcionar o metrô em circulação na capital, além de julgar, só na segunda instância, quase 1 mil recursos (887), tudo isso, repito, em menos de uma semana.

Já em Santa Catarina, foi da Justiça do Trabalho também a responsabilidade de disciplinar o funcionamento das agências da Caixa Econômica Federal enquanto perdurar a pandemia do coronavírus.

Num momento como esse, ao lado dos profissionais da saúde, da segurança pública e de tantos outros ramos, tão essenciais para minimizar os efeitos do coronavírus, a Justiça do Trabalho continua atuando ativamente através dos seus magistrados e servidores, na modalidade home office (em PE os processos são 100% PJe) e presencial, bem como realizando as suas sessões de julgamento virtuais.

Tais exemplos só mostram o seu valor, a sua modernidade e a sua indispensabilidade.

Outros conflitos virão e a Justiça do Trabalho estará atenta e vigilante para conciliá-los e julgá-los, pois este é o seu papel, tão importante na pacificação das relações de trabalho, das relações sociais, sobretudo em tempos de crise.

EDUARDO PUGLIESI

Desembargador do TRT