Publicada em 01/06/2018 às 13h25
Durante sessão administrativa realizada na terça-feira (29), no Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-PE), a desembargadora Valéria Gondim fez pronunciamento de gratidão, diante do deferimento de encaminhamento ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) do seu pedido de aposentadoria, após pouco mais de 36 anos de serviço, dos quais 30 foram dedicados à magistratura.
Em seu discurso, a desembargadora declarou não haver sido fácil a decisão de se aposentar: “não é simples tomar a decisão de me afastar do ofício ao qual dediquei a maior parte de minha vida útil profissional, com absoluta identificação e vocação”.
Na ocasião, o presidente do TRT-PE, desembargador Ivan Valença, juntamente com os demais desembargadores integrantes do Pleno presentes à sessão, o Ministério Público do Trabalho e o Juiz José Adelmy da Silva Acioli (presidente da AMATRA VI), proferiram Voto de Louvor à carreira virtuosa da magistrada.
Confira o discurso na íntegra:
DISCURSO EM SESSÃO DE APROVAÇÃO DE PEDIDO DE APOSENTARIA POR TEMPO DE SERVIÇO
Senhor Presidente, peço a palavra, pela ordem. Gostaria de me dirigir a esta Egrégia Corte, eis que aprovado o pedido de aposentadoria, que fiz, após completar pouco mais de 36 anos de serviço prestados nas esferas pública e privada, dos quais 30 anos, na qualidade de magistrada, e quase 16 anos perante este digno Colegiado.
De igual modo, dirijo-me à Representante do Ministério Público do Trabalho, aqui presente, Dra. Lívia Arruda, em nome da qual entrego os meus respeitos a todos os membros do ilustre “parquet” da 6ª Região, que atuam em paralelo, cumprindo o seu papel institucional, com dedicação e compromisso.
Dirijo-me ao ilustre e valoroso representante da AMATRA VI e à nobre classe dos advogados.
Também me dirijo a todos os servidores da casa, que nos acompanham, com tanta dedicação, nas tarefas afetas à sessões, aos processos, de maneira geral, e na área administrativa, em particular.
E o faço para dizer que não é simples tomar a decisão de me afastar do ofício ao qual dediquei a maior parte de minha vida útil profissional, com absoluta identificação e vocação.
Foram anos de rico estímulo para o trabalho, enfrentando os desafios cotidianos, que o filme da vida, que agora assisto, permite-me ver com nitidez – e sentir, também – com marcada emoção. É incrivelmente rápido, tudo!
E nessa rapidez, de modo intuitivo, aprendi, em lições sucessivas e indeléveis, que antes de olhar a lei, deveria olhar a vida, e as pessoas. Li algo a respeito, por esses dias, por mera coincidência, e percebi que foi isto mesmo o que fiz.
Olhei o direito posto, os seres humanos, o contexto socioeconômico em que vivi. Aquilo a que chamamos de “a nossa realidade particular”, das cidades e do Estado, onde atuei, das pessoas e das corporações.
Na projeção da passagem dos anos dessa vida profissional, tenho como prevalente, hoje, o sentimento de gratidão.
Gratidão por ter sabido buscar, por ter conseguido encontrar o que procurei; gratidão por ter podido construir aprendizados e relacionamentos; gratidão por ter experienciado a tolerância, no dia a dia das mesas de audiência e, depois, no convívio colegiado das Turmas julgadoras, que integrei, e deste Tribunal Pleno.
O escritor moçambicano Mia Couto, em Estórias Abensonhadas, diz, com propriedade e respeito, que "O erro da pessoa é pensar que os silêncios são todos iguais. Há distintas qualidades de silêncio. É assim o escuro, este nada, apagado, que estes meus olhos tocam: cada um é um, desbotado à sua maneira.”.
Feitas essas considerações, expresso gratidão, ainda, pela história edificada com André Genn, companheiro de tantas vivências e convergências, que ingressou na magistratura, por meio do mesmo concurso público, e concluirá sua participação, na judicatura, possivelmente na mesma época. Seu perfil ético, sua dedicação, sua qualidade técnica foram fonte de inspiração, sempre. Para ele cito outro festejado africano, o angolano José Eduardo Agualusa, no romance Teoria Geral do Esquecimento, quando afirma, com rara beleza, que “ O Paraíso é o espaço que ocupamos no coração dos outros”.
Nos últimos dias tive a oportunidade de falar com vários servidores e juízes, em meio a este instante de jubilação e de júbilo.
E o meu sentimento misturado, trouxe o desejo de gratificar, que se renovou a cada vez, de modo que agradeço aos colegas do trajeto da magistratura a riqueza do aprendizado (humano e profissional) e, claro, não posso deixar de fazer um registro especial aos colegas do Segundo Grau de jurisdição, inclusive àqueles já aposentados ou falecidos, com os quais convivi, cada um possuindo uma ordem de grandeza e de importância.
Esse conjunto para mim é racional, mas também afetivo.
E no plano da afetividade, além dos amigos aqui feitos e que a memória agora evoca, o sentimento maior me traga e me conduz à lembrança dos meus inesquecíveis pais, vocacionados que foram para criar os filhos em ambiente de respeito ético, de dignidade humana e profissional, valores caros transmitidos à minha descendência, que é o meu querido Diego Gondim Genn, fonte de tantas maravilhas e do próprio brotar da ideia mais consistente da hora de trocar projetos da vida, por outros de vida, que se ensaiam.
A esta quadra de reflexões percebi que um maestro não pode prescindir de bons solistas. É por intermédio deles que a regência da orquestra, exibe um composto musical de equilíbrio e harmonia. Por isto, neste momento, rendo minhas homenagens aos servidores lotados no Gabinete perante o qual atuo, dedicados e competentes solistas que são. Refiro-me aos de hoje e aos que lá não mais estão, mas que deixaram suas marcas interpretativas das partituras legais.
Refiro-me, também, ao dedicado, seguro e competente motorista, Josenilton Brasil. Meus respeitos e agradecimento a todos, inesquecíveis que serão.
Ademais, percebo e reflito, com lamento, que o país que me recebeu como magistrada, nos idos de 1987, não evoluiu, de modo geral, como esperado, no campo da educação e das relações de trabalho, para citar estes. Falta tanto e cada dia estamos mais distantes do restante do mundo que cresce de modo sustentável.
É que a velocidade do incremento do conhecimento, em boa parte do mundo, é tal, que os poucos resultados positivos apresentados, no Brasil, não chegam a constituir conjunto de relevo, que permita aos brasileiros sonhar com dias melhores, pois se “a cada 100 crianças que começam a educação básica, apenas 50 terminam o ensino médio; se de cada 100 – entre as que chegam ao fim, 7 aprenderam o esperado em matemática e 28 em língua portuguesa, isso incluindo escolas públicas e privadas; se os que chegam ao fim, possuem um nível de aprendizagem extremamente baixo; se temos, por isso, cerca de um milhão de jovens, de 15 a 17 anos, sem estudar e sem atividade laboral, é certo concluir que estamos perdendo a guerra, até mesmo porque, no mundo do trabalho, o cenário é de diminuição definitiva de postos para as pessoas com baixa escolaridade e sofrível índice de rendimento.
Com um percentual tão reduzido de jovens preparados para o ensino superior e, portanto, competitivos nessa nova configuração, como o Brasil vai conseguir se inserir nesse cenário? “ Esses dados foram extraídos de um encarte especial do Jornal do Commercio, na matéria intitulada de “À Beira de um Tsunami”.
Sob outra vertente, debruço-me no campo do Direito Laboral, cujas perspectivas, a meu ver, são sombrias. Não que não houvesse o que reformar, mas o tom do que foi reformado, por meio da legislação desses dias, majoritariamente, chega a assustar, envergonhar e fazer repensar escolhas profissionais.
E cito como exemplo a possibilidade de prestação de serviços, em ambiente insalubre, até mesmo em grau máximo, por trabalhadora gestante, bem assim a tentativa de abalo ao direito constitucional assegurado à justiça gratuita e ao próprio acesso à Justiça. Fico a me perguntar que espécie de cidadãos somos ou seremos, se não nos forem assegurados os princípios fundantes da República, notadamente os relativos à cidadania e à dignidade da pessoa humana.
Com tais palavras e preocupações, quero expressar que, em reforço ao meu sentimento de gratidão e do dever cumprido, há um potencial de conexão para educar e transformar, o que, por certo, levou-me a intuir, por meio de sucessivas lições de vida, que antes de olhar a lei, deveria olhar a vida, e as pessoas, como acentuei no começo deste pronunciamento. Não me arrependi.
Por fim, como disse o ex-Ministro Carlos Ayres Brito, em seu discurso de aposentadoria do STF, "Não digo que sinto saudade. Não é bem isso. A sensação é que não perdi a viagem. Fiz tudo com devoção. Saio sem nostalgia e tristeza.”
Muito obrigada, sobretudo pelo conforto das palavras de todos, que guardarei, por muito importantes para mim, que são!